O insólito fax que fez o Santos ser perseguido por Luiz Zveiter
Corria o ano de 2004, o Campeonato Brasileiro estava no final do primeiro turno, e Ricardo Teixeira, presidente da CBF, não queria que Luiz Zveiter continuasse presidindo o Supremo Tribunal de Justiça Desprotiva, o STJD. Então, Teixeira pediu aos clubes um documento contrário à permanência de Zveiter no cargo. O Santos, presidido por Marcelo Teixeira, apressou-se em fazer o documento e enviar por fax à CBF, atitude que faria o clube ser perseguido por Zveiter até o final de 2005.
Ricardo Teixeira usou o fax timbrado do Santos para passar aos outros clubes, como exemplo do texto que deveriam fazer. Assim, algo que deveria ser feito nos bastidores tornou-se público e todos ficaram sabendo que o Santos era contrário à permanência de Zveiter à frente do STJD.
Vaidoso, prepotente, conhecido por privilegiar amigos e punir rancorosamente os adversários, Zveiter logo tratou de prejudicar o Santos. O primeiro sinal de que uma estranha “má sorte” acompanharia o Santos até o final do campeonato eram os repetidos erros de arbitragem, que até o término da competição resultariam em nada menos do que 11 gols legítimos anulados, oito deles marcados por Deivid, que ainda hoje lamenta a falta deles no seu currículo. Obviamente essas arbitragens irritavam a torcida.
Porém, como se de uma hora para outra vivêssemos em uma sociedade perfeita, qualquer gesto de indignação dos torcedores, como jogar um copo com água ou papel higiênico no gramado, passou a ser punido com a perda do mando de campo. Bem, isso não valeu para todos os times. Como se esperava, o Santos foi o que mais sofreu com essa medida.
Dificilmente batido na Vila Belmiro, o time foi obrigado pelo STJD a mandar cinco de seus jogos em locais distantes no mínimo 150 quilômetros de seu estádio. Parecia impossível não sucumbir diante de tantas dificuldades. Ao final de mais uma partida em que o time venceu, apesar de ter um gol legal invalidado, o técnico Vanderlei Luxemburgo, conformado, desabafou a frase célebre: “Já avisei aos meus jogadores que temos de fazer dois gols para valer um”.
E assim o Santos venceu os cinco jogos em que foi obrigado a atuar longe da Vila Belmiro: 4 a 1 no Figueirense, em Mogi Mirim; 5 a 0 no Fluminense, em São José do Rio Preto; 2a 1 no Goiás, em Presidente Prudente; 5 a 1 no Grêmio, em São José do Rio Preto, e 2 a 1 no Vasco, no jogo do título, em São José do Rio Preto.
Robinho, que ficou seis jogos afastado do time, devido ao seqüestro de sua mãe, voltou ao time no jogo final, contra o Vasco, e teve mais um gol anulado erroneamente. Na decisão, muitos torcedores usavam uma camiseta com os dizeres: “Sou santista, não desisto nunca”.
Perseguição continuou em 2005
Em 2005, mesmo sem Elano, negociado com o Shakhtar Donetsk, da Ucrânia; com Robinho somente até a metade do ano, e com o técnico Luxemburgo substituído pelo novato Alexandre Gallo, o Santos poderia ter ido longe tanto na Copa Libertadores, como no Brasileiro.
Na Libertadores, precisava vencer o Atlético Paranaense no mínimo por 1 a 0 ou 2 a 1, na Vila Belmiro, para passar à semifinal contra o Chivas, do México – que já tinha anunciado que jogaria com um time reserva, pois daria prioridade ao Campeonato Mexicano. Enfim, eliminar o rival paranaense significaria ir para a final, mas Robinho, Ricardinho e Léo foram convocados pelo técnico Carlos Alberto Parreira para um amistoso da Seleção, e Giovanni teve sua inscrição na Libertadores impugnada pelo STJD.
Desfalcado e improvisado, o Santos lutou contra o Atlético Paranaense, reclamou de três pênaltis não marcados por Carlos Eugênio Simon, perdeu de 2 a 0 e foi eliminado na Libertadores. Como se esperava, o Chivas foi vencido facilmente pelo Atlético, que por sua vez não ofereceu resistência ao São Paulo, na final.
Entretanto, o Santos até que seguia bem no Campeonato Brasileiro, a ponto de chegar à iderança do campeonato no início do segundo turno, quando Zveiter, que ainda continuava á frente do STJD, teve a sua grande oportunidade de manipula o futebol brasileiro a seu bel prazer.
A chance surgiu com a denúncia de que o árbitro Edilson Pereira de Carvalho, que tinha atuado em 11 jogos do Campeonato Brasileiro, participava de um esquema de manipulação de resultados. Como Ricardo Teixeira, e a sua CBF, imediatamente tiraram o corpo fora, o caso ficou nas mãos de Zveiter, que agiu como um inquisidor, influindo em todas as instituições do futebol nacional, ditando as regras do campeonato nacional. Uma delas, flagrante, consistia em punir o Santos.
O Alvinegro, com Robinho e Giovanni formando uma dupla infernal, havia vencido o Corinthians por 4 a 2, partida arbitrada por Edílson Pereira de Carvalho, que diria depois ter recebido suborno para ajudar o Corinthians. Após o jogo o técnico corintiano Márcio Bittencourt reconheceu a superioridade santista.
Mas Zveiter, por sua conta, resolveu remarcar os 11 jogos com atuação de Edílson Pereira. Com isso, o Santros foi obrigado a jogar novamente com o Corinthians, de quem perdeu por 3 a 2, na Vila Belmiro, em uma arbitragem no mínimo polêmica, em que teve um jogador expulso e um pênalti discutível marcado nos minutos finais.
O Corinthians, por sua vez, à época controlado pela MSI, empresa internacional ligada ao crime organizado, pó refazer os dois clássicos que tinha perdido, e além de recuperar três pontos contra o Santos, ganhou mais um no empate com o São Paulo (1 a 1), de quem tinha perdido no jogo original por 3 a 2.
Apesar de dormir na liderança e acordar quatro pontos atrás do Corinthians, o Internacional seguiu firme em busca do título, até que na partida contra o Corinthians, em São Paulo, foi escandalosamente prejudicado pelo árbitro Márcio Rezende de Freitas, que garantiu o empate ao não dar um pênalti de Fábio Costa sobre Tinga e ainda expulsar o jogador do Inter por “simulação”.
Nas investigações sobre a chamada “máfia do apito” veio a suspeita de que os resultados eram manipulados pela própria cúpula da arbitragem brasileira. Em seu depoimento, Edilson Pereira de Carvalho afirmou que Armando Marques, ex-chefe da Comissão de Arbitragem da CBF, o pressionou para ajudar o Flamengo em um jogo contra o Juventude, em Caxias do Sul, pela Copa do Brasil de 2001.
Afastado do STJD, Zveiter continua aprontando
Em outubro de 2005 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já tinha recebido cinco reclamações solicitando o seu afastamento da presidência do STJD. A fundamentação jurídica das reclamações estava baseada na alegação de que Zveiter não poderia acumular a função de presidente do STJD com o cargo de desembargador de Justiça do Rio de Janeiro.
Os processos foram encaminhados ao ministro Antônio de Pádua Ribeiro, corregedor nacional de Justiça, e resultaram na substituição de Zveiter, que, ficou comprovado, exerceu ilegalmente o cargo no STJD, pois não poderia ter acumulado funções.
Fora do futebol, Zveiter continuou tentando burlar a ética. Atual Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ele está sendo investigado pelo CNJ por suspeita de ter favorecido a ex-namorada em um concurso público para tabelião, em 2008, quando era corregedor do TJ e presidiu a comissão do concurso.
Inscritos no concurso denunciaram ao CNJ que a segunda colocada, Flávia Mansur Fernandes, era namorada de Luiz Zveiter. Questionaram também a aprovação de Heloísa Estefan Prestes, amiga de Zveiter. Segundo portaria que instituiu a sindicância, Zveiter nomeou Heloísa Prestes para o 2º Ofício de Justiça de Niterói, quando deveria ter nomeado o tabelião substituto mais antigo do cartório. Depois, designou Flávia Mansur para ser tabeliã substituta no mesmo lugar.
Graças a essas irregularidades perpetradas por Luiz Zveiter, o homem que fingia querer moralizar o futebol brasileiro, o concurso público para tabelião de 2008 foi anulado pelo Conselho Nacional de Justiça.
Entendeu agora?
Há muito guardo essa história do fax que causou a ira de Zveiter, para preservar alguns envolvidos. Mas achei que já era hora de esclarecer os motivos que fizeram o Santos ser perseguido acintosamente pelo poder do futebol brasileiro em 2004 e 2005. Na verdade, o fax foi apenas a ponta do iceberg de um período negro do futebol brasileiro, marcado por corrupção, suborno, favorecimentos e a inegável ação de criminosos internacionais, hoje foragidos do país.
Para os que quiseram ou acharam mais conveniente não enxergar o que estava acontecendo, meus pêsames: foram péssimos profissionais e/ou mostraram frouxidão de caráter. Já deveriam ter aprendido que no futebol pode ocorrer o imponderável de vez em quando, mas não há tantas coincidências…
Texto de Odir Cunha
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